Sobre Brincadeiras, Corpo e Construção de Conhecimento - organização Clayton Leme (trechos de artigo de Andréa Sério Bertoldi)

16/06/2010 18:35

 

Boa notícia para uma criança:

Em tudo, em tudo você terá a seu favor o corpo.

O corpo está sempre ao lado da gente. É o único

que, até o fim, não nos abandona”.

Clarisse Lispector, Para não esquecer, 1992.

 

Entende-se de maneira geral, que nos sete primeiros anos de vida, o brincar prepara as bases e tem sua expressão mais importante para o bom desenvolvimento do ser humano, etapa na qual a criança se reconhece, descobre, compreende e constrói seu mundo, estabelecendo vínculos através da experimentação, imaginação, fantasia e construção (FRIEDMAN, 2007).

O brincar, enquanto fenômeno oriundo da natureza da criança, não é tão óbvio quanto possa parecer e por conta deste fato, cada vez mais acabamos por encontrar trabalhos artísticos e materiais publicados, resultados de pesquisas de educadores e artistas interessados na questão que permeia a construção do conhecimento no brincar, defendendo a atividade como ambiente propício à elaboração e organização do aprendizado e de saberes individuais e coletivos.

Vivemos uma diversidade de culturas lúdicas, mas que são pouco conhecidas e pouco partilhadas. O consumo massificado de brinquedos descartáveis vem ocupar espaços de construções lúdicas que priorizam o corpo e suas vivências, a imaginação e suas articulações com o que está no mundo. Bufês infantis tentam reinventar um espaço lúdico, calcado no artificialismo, causando um empobrecimento das brincadeiras, outro fator que contribui para este evento é a diminuição do tempo do recreio nas escolas, causando assim, um gradativo desaparecimento do brincar no cotidiano das crianças, o que nos faz ter um olhar mais amplo e crítico sobre a situação da infância hoje. Para isto, um dos caminhos encontrados para a valorização e a perpetuação do Brincar como construção de conhecimento depende muito de debates com educadores, pais, professores e comunidade em geral, entendendo o brincar não somente como um patrimônio imaterial, mas sob um olhar crítico mais direcionado ao corpo, elemento principal onde acaba por convergir todos os componentes pedagógicos e educacionais das brincadeiras.

Nas brincadeiras, encontramos inúmeras possibilidades de articulação com o mundo, além da possibilidade de exploração da percepção dentro das categorias de movimento. Para Fonseca (1991, 1998, 2002), das diferentes categorias de movimentos existentes, como a expressividade, a forma e espaço, é a percepção do corpo a considerada base da estruturação motora e afetiva da criança, sendo desenvolvida ao longo da infância, projetando-se por toda a vida.

 A percepção do próprio corpo fornece à criança um referencial para ela agir no mundo exterior de forma adequada, pois, quando se relaciona com a informação contida em determinado ambiente, necessita de um ponto de referência a partir do qual organiza as impressões que recebe (FONSECA, 1995). Para este autor, o corpo é esta referência de organização, é nele que tudo se realiza, e por esse motivo, a criança deve ter oportunidades de desenvolver satisfatoriamente a percepção do seu corpo.

O termo percepção tem sido definido como a capacidade de organizar informações integrando novos estímulos às informações já armazenadas levando a uma modificação de padrão (BARTENIEFF, 1997; BODEN 1999; GALLAHUE e OZMUN, 2002). De acordo com esses autores, a percepção está associada à elaboração de uma nova informação que, no aspecto motor, depende do desenvolvimento da capacidade de integração sensorial, interpretação, ativação motora e re-informação ou avaliação do ato motor. Para CHAZAUD (1987) e Le BOULCH (1992), o esquema corporal é uma estrutura dinâmica que integra a sensação da presença do corpo. Relaciona-se à capacidade de identificar as partes do corpo e reconhecer suas possibilidades de movimento para facilitar a eficiência da ação motora. De acordo com MORAES (1996), o esquema corporal deriva de experiências táteis e das demais sensações que provém do corpo influenciando diretamente a postura, o equilíbrio e a própria imagem do corpo.

De acordo com FONSECA (1998) a integração da percepção corporal pode ser avaliada através de escalas de desenvolvimento psicomotor as quais descrevem comportamentos a serem atingidos em referenciais médios de faixas etárias e proporcionam dados para que seja traçado o perfil psicomotor da criança. Estes comportamentos compreendem tendências de desenvolvimento em diferentes áreas como a visão, motricidade fina, a audição, a linguagem falada, a maturidade social e a motricidade global que integra comportamentos sobre a identificação das partes do corpo, lateralidade e direcionalidade corporal (BERTOLDI, 2007).

Uma das maiores contribuições para a análise do desenvolvimento da integração da noção corporal da criança é a evolução do desenho do corpo humano. Segundo alguns autores, o desenho é capaz de refletir uma grande complexidade de informações referentes à percepção da criança sobre si própria, revelando dados representativos de seu desenvolvimento psicomotor, afetivo e cognitivo. Para FONSECA (1991), é através do desenho que a criança objetiva a representação simbólica e formal do corpo, refletindo seu nível de integração e a percepção de si própria.  

De acordo com VYGOTSKY (1991), OLIVEIRA (1994) e LEVIN (2001), o desenvolvimento da percepção corporal é motivado em grande parte através do brinquedo. Para OLIVEIRA (1994), a utilização de manifestações simbólicas como a brincadeira faz com que a criança adquira condições de, gradativamente, adaptar-se ao meio de modo criativo, tomando consciência da lógica subjacente às suas ações. VYGOTSKY (1991) acrescenta que a essência do brinquedo é a possibilidade que a criança tem de evidenciar de maneira simbólica as motivações, os planos, as intenções, criando uma nova relação entre as situações imaginárias e as situações reais. Para o autor, o brinquedo preenche as necessidades da criança. Nesta perspectiva, a atividade semiótica torna-se um requisito importante para o seu adequado desenvolvimento, pois, “se ignorarmos as necessidades da criança e os incentivos que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de entender seu avanço de um estágio do desenvolvimento para outro, porque todo avanço está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências e incentivos” (VYGOTSKY, 1991 p.105).

Assim, quanto mais se amplia a realidade externa da criança, sua imaginação, sonho, fantasia em forma de desafios ou problemas a serem resolvidos no brinquedo, mais ela tem necessidade de uma organização interna a fim de utilizar suas experiências em função das demandas ambientais. Para LEVIN (2001), a criança que não encontra oportunidades de brincar e relacionar-se criativamente com o ambiente através de desafios, apresenta dificuldades na elaboração de sua realidade e, conseqüentemente, no seu desenvolvimento. Assim, parece ser importante criarmos o máximo de oportunidades lúdicas, desafiadoras, com uma abordagem de solução de problemas, para facilitar o desenvolvimento motor de crianças.

FONSECA (2002, p.18) assume que não basta a brincadeira pela brincadeira, o movimento pelo movimento, o jogo pelo jogo, a situação-problema favorece a aprendizagem motora quando “(...)mobiliza funções psíquicas de atenção, de captação, de integração multissensorial, processamento intra e extra-somático (próprio e exteroceptivo), elaboração, antecipação, conscientização, regulação e verificação da ação”, ou seja, quando há possibilidade de alteração do comportamento caracterizando um processo de aprendizagem efetivo.

A fim de colocar em debate a questão da corporalidade das brincadeiras e toda problematização que o tema pode promover, é que o Coletivo Brincante, núcleo de estudos que foca seus trabalhos na pesquisa do Brincar como área de conhecimento, dentro da Diversa, elabora o seu mais novo espetáculo, o Embolação, cujo objetivo principal está em proporcionar uma diversidade de experiências corporais que se articulem entre, desenvolvimento motor, aspectos cognitivos e afetivos.

 

BERTOLDI. A.L.S. Conceitos de movimentos e percepção corporal. 2007.

LAMEIRÃO. L.H.T. Criança brincando! Quem a educa? Ed.João de Barro. São Paulo. 2007.

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